Prefácio da Educação

Dan Rabadji
9 min readMay 30, 2020

Há tantos tópicos para esse grande e importantíssimo assunto, que muitas vezes reiniciei este roteiro, não sabendo bem por onde começar. Resolvi então, de forma anedótica, falar sobre a minha experiência como professor e o que observo, de forma empírica, em meus colegas de trabalho e amigos. Se porventura esses relatos forem de alguma utilidade, fico mais que satisfeito. O objetivo deste texto é um de conscientização, seja para os profissionais da educação ou para seus envolvidos, sejam do corpo docente ou discente.

Há muito ouve-se falar sobre “mudanças na educação” ou mesmo “os problemas da educação no Brasil”. Algumas abordagens são necessárias e ilustram de forma lúcida esse problema. Todavia, há outras, infelizmente a maioria, cujas fontes limitam sua visão inteiramente para experiências pessoais. No que isso diz respeito, essas podem servir de base, mas jamais de finalidade, muito menos de justificativa. Acredito, humildemente, que antes de abordar os problemas de algo, deve-se, no mínimo, estar familiarizado com o assunto.

Atualmente eu opero em duas áreas discrepantes, mas que vejo possível algumas analogias em comum. Sou professor de inglês e de yôga. Esse não será diretamente útil para a nossa narrativa, servirá apenas como um alicerce momentâneo quando tal surtir-se necessário. Como professor de inglês, atuo em três áreas diferentes: escola de idiomas, colégio tradicional, do infantil ao fundamental I e particular. Boa parte do que será falado dirá respeito à essas áreas, pois são as que julgo conhecer melhor. Falarei também do ensino público, mas aqui será pelo viés de outrem, minha esposa, professora de biologia pela rede estadual.

Primeiramente, escola de idiomas. Este cenário difere-se muito dos outros, principalmente dos ensinos tradicionais, sejam eles privados ou públicos (sendo ainda mais aparente na rede pública). Não há dificuldade técnica neste cenário. Você trabalha com uma turma pequena, numa sala bem arejada, muitas vezes com ar condicionado e com pessoas, sejam elas jovens ou adultos, que estão ali por opção. Mesmo quando o jovem é obrigado pelos pais, aquilo não faz parte de seu currículo obrigatório e ele sabe disso. O desafio do professor aqui é fazer com que o aprendizado perdure no discente, fazendo-o assimilar e entender o que fora assimilado.

Aqui, então, temos o nosso primeiro grande problema. Como vimos, o aluno já está ali, deveras disposto, de certa forma focado (depende do aluno); investe dinheiro à parte e, no final das contas, pode sair de lá após anos sem ter aprendido nada. Se isso acontecer, o problema é do professor e não do sistema. Foi por conta da falta de estímulo e engajamento que o aluno não atribuiu o devido valor ao que estava adquirindo. Contudo, vejo com frequência colegas que não vêem as coisas assim. Muitas vezes a culpa é atribuída ao sistema ou ao próprio aluno. Essa isenção de responsabilidade é contraditória e eu vou explicar o porquê.

Muitas vezes nós cobramos os alunos (no caso de você ser um aluno, sabe como é ser o receptor de tal cobrança) para que eles estudem, acompanhem o currículo e façam aquilo que cremos ser o melhor para o seu desenvolvimento. No entanto, digo que há contradição aqui, pois muitas vezes os professores não fazem o mesmo num quesito que é quase idêntico, sob a mesma premissa: desenvolvimento. Ao perguntar para alguns colegas próximos e outros professores que me deram a honra de proferir suas opiniões, vejo que a novidade, a mudança e a busca pelo diferente é algo que os assusta. Logo, evitam.

Agora diga-me, mesmo se você não é ou nunca foi professor, quiçá fora, mas não lembra de sua época como aluno: essa incoerência parece justa para você? É aqui que temos nosso segundo problema. Por conseguinte vêm a minha perspectiva de professor de yôga. Na prática, você, ao ministrar uma aula, fala sobre valores e estilos de vida. O ideal é que, dentre sua dialética e sua vida, especialmente quando próximo daqueles que aprendem contigo, haja uma congruência entre o que é dito e o que é feito. Então você vê a importância de fugir, principalmente como docente, da hipocrisia. Embora, com isso, entramos em outro paradoxo: ser e não ser um profissional hipócrita.

Podemos arquitetar o argumento de que ser hipócrita não apenas é aceitável, como é necessário em nossa sociedade. Denis Diderot discorreu sobre a hipocrisia moral da sociedade em diversas de suas obras, com uma retórica voltada para o que julgo correto ou não e como as ações são voltadas à esses princípios simplistas. Aqui, falado de uma forma leviana, mas recomendo que você leia Le neveu de Rameau (publicado em 1805), ou o poema de um de seus sucessores (por influência), Charles Baudelaire, chamado Au Lecteur (Fleur du mal — 1857).

Para que isso fique mais tangível e conciso, podemos utilizar exemplos mais recentes. Talvez você já tenha ouvido falar algo do tipo “eu não confio em médica que fuma e manda o paciente não fumar” ou mesmo “ele é nutricionista, mas está acima do peso, então não deve ser bom no que faz”. Essa observação nos permite notar um problema muito grave: a confusão de pessoa com profissão, sujeito com objeto, quando eles não são conceitos mutuamente exclusivos.

Considere que seja natural você esperar congruência de seus entes queridos, pois é dessas pessoas que originam conselhos e esses são pessoais, anedóticos. Contudo, no caso de um profissional, não é um conselho, é um serviço. Logo a pessoa e o produto não precisam estar alinhados, pois seria um absurdo esperar isso de todo profissional. Você não espera que uma vendedora da Gucci vista apenas roupas dessa marca ou que uma oculista (não) use óculos. Então qual o porquê de esperarmos isso de outros profissionais?

Se o caso acima fosse esperado de todos, não haveria físicos religiosos, historiadores contra reforma social ou filósofos que só regurgitam ideias. Seria-nos apresentado apenas pessoas cujo trabalho estivesse em completa harmonia com sua vida pessoal. Essa é uma meta ingênua que muitos, erroneamente, tomam como valor. É desse erro que nasce o paradoxo anteriormente mencionado: o trabalho do professor é, em sala de aula, ensinar. Dentro da classe ele deve reter o conhecimento do aluno e, fora dela, essa conta fica para o mundo. Qualquer extra, algo que ultrapasse os limites da escola e sua estrutura, serão vistos como meros conselhos e nada mais. Para quem trabalha ou já trabalhou na educação, sabe que as coisas, na grande maioria das vezes, não funcionam assim.

Por conta disso, vale ressaltar que a educação deveria sair de casa e ser aprimorada na escola, idealmente. O aluno que não recebe estímulo e encorajamento para estudar, quando, inclusive, muitas vezes sofre estresse e tem problemas pessoais das mais diversas magnitudes, não irá dar tamanha importância para a instituição escolar. Mesmo no caso de alunos que crescem com uma boa formação, podem falhar em suas tão sonhadas profissões (como tornar-se engenheiros, médicos, etc.) e acabam sendo obrigados a acomodarem-se no sistema de ensino, para lecionar, seja no particular ou no privado. Esse formato deixa na estrutura base de formação da nossa democracia pessoas cansadas, desoladas e desistidas. Isso torna o processo vicioso e incontrolável.

Contudo, vamos supor que o professor optou por sua profissão e a faz com gosto e afinco. Continuando esse exercício, digamos que ele vai além e quer passar essa inspiração para seus alunos, para que dessa forma eles também sejam pessoas com raciocínio crítico e formadoras de opinião, potencialmente tornando-os mais aptos para suas vidas adultas. Quando o encorajamento, visto como conselho ou sugestão, for passado para suas turmas, ele será, de forma majoritária, refutado ou ignorado, pois esse exercício extrapola as paredes da instituição. Culturalmente esse bloqueio culmina com boa parte dos estudantes.

Então, acima temos o nosso paradoxo. Se não há congruência, não há discurso, logo não temos a disseminação de uma forma de pensar produtiva e construtiva. Se há congruência e discurso, isso será visto como uma invasão aos valores familiares, como doutrinação, sendo assim repudiado. Como dobrar essa oposição e fazer com que os alunos também a superem, vendo assim valor naquilo que aprendem?

Para isso, precisamos voltar para antes de nossa mencionada contradição, às aulas numa escola de idiomas. Neste caso temos alunos que pagam à parte para ter um conhecimento extra passado para eles. Temos algo que vai além do currículo escolar e que, por conseguinte, ultrapassa os limites de provas de concurso (com algumas exceções) e vestibulares. No entanto, muitas vezes eu e meus colegas nos deparamos com alunos desmotivados, com baixa frequência e sem interesse de levar consigo aquilo que aprendeu durante a aula. Logo, com isso, não entendem o que fora passado.

Se mudarmos o cenário para escolas tradicionais particulares, temos um número maior de alunos que se dedicam, estudam, fazem sua tarefa de casa, tiram as dúvidas, etc. Aqui, os problemas são ainda mais consideráveis, muitas vezes indo além do próprio paradoxo, pois não há respeito a ser obtido, admiração a ser prestada em meio à esses que pouco valorizam sua educação.

Não obstante, nas escolas públicas os problemas e níveis de cortisol dos alunos são estatisticamente tão abruptos que eles, de forma não surpreendente, podem ser esperados por não apresentarem dedicação ou resultados bem avaliados. Em ambos os casos nós fugimos da incoerência original, pois em nossas rotinas não nos deparamos com situações ideais e sim com alunos que têm problemas pessoais e empecilhos ao seu redor.

Assim pouco importam para eles esses modelos, de nada valem os paradigmas e de muito fogem àquilo que se é esperado em sua vida adulta. Apesar de serem motivos diferentes, ambas classes divergentes estão sendo dirigidas cada vez mais para longe do futuro acadêmico, do estudo, da leitura e do conhecimento. Trivialidades e valores supérfluos dominam as nossas vidas cada vez mais, deixando-nos a única escolha de rendição em nossas mãos.

Por último, no caso das aulas particulares, temos a situação mais próxima do ideal que é possível encontrar. Aqui os alunos estão indo de acordo com o modelo que você apresentar-lhes. Mesmo para os que forem mais jovens e com suas devidas distinções sendo atribuídas, os resultados costumam ser maiores e perduram com facilidade.
Contudo, o último não é um desafio para os profissionais da área, como fora previamente mencionado. A dificuldade de ministrar aulas particulares está na seguridade da profissão e não em sua atuação. Ao dar aulas para uma turma pequena, ou até mesmo um aluno só, o professor não é apresentado a grandes adversidades. O esperado é um profissional preparado, com conteúdo teórico, prático e conhecimento na ponta da língua. Com isso e com espaço para lecionar, sua atuação é muito facilitada. Seus desafios aparecem ao precisar empreender e trabalhar seu nome ou marca. Mas esse não é um problema a ser tratado neste artigo.

Após analisar os casos acima, voltamos, enfim, ao paradoxo. podemos observar que se você for um professor perfeitamente capaz e que vive aquilo que prega, seus alunos podem não respeitá-lo ou simplesmente ignorá-lo, por conta de problemas maiores. Se o que prega e seu credo divergirem, perderá o pouco respeito e admiração que sua pequena parcela de alunos lhe atribuíam. O mesmo vale para os contrários das situações acima.

Levando tudo isso em consideração, veja que, acima de tudo, o trabalho do professor é ensinar. Não é ser gostado, não é ser admirado, mas ele deve passar seu conhecimento para aqueles que estão a lhes deparar. Sua forma de entrega varia, mas o resultado deve ser este, deve ser o mesmo, onde aquilo que é entregue seja recebido. Para isso o processo vai muito mais para a informação do que para o profissional que a entrega. Todavia, considere que mesmo assim você deve procurar cativar seu aluno, pois um aluno que tem boas influências tende a mostrar bons resultados. Logo também serão necessários respeito e congruência.

Como conclusão, o trabalho do professor não se resume a apenas uma tarefa. É um trabalho árduo e ardiloso, longo e tortuoso. Há trabalhos diversos que exigem muito menos e recompensam muito mais. Esse fator também influencia a forma que os discentes e os docentes reagem e comportam entre si. Porém, independente disso, é um trabalho que representa, de fato, o crescimento, seja ele lúgubre ou virtuoso, de nossa nação e de nossa democracia. Para saber seu resultado, basta olhar à sua volta.

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Dan Rabadji

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